A dor é uma daquelas coisas que ninguém quer, mas que todos acabam por sentir. É certo que existem diferentes tipos de dor, ainda que todas elas incapacitantes de alguma forma. Apesar disso, e independentemente do tipo de dor em causa, a verdade é que tentamos sempre protelar, adiar, não pensar nisso. O problema é que a dor física acaba sempre por aparecer, seja em resultado de algum acidente ou problema de saúde que tenhamos ou simplesmente em consequência da passagem do tempo pelo nosso corpo. Não somos eternos e o corpo cansa-se, os ossos e músculos desgastam-se e, mais cedo ou mais tarde, a dor é inevitável.
A questão que se colocar, sobretudo para quem trabalha na área da saúde – mais especificamente ainda, no meu caso, na fisioterapia – é que sabemos o quanto esta realidade de viver permanentemente com dor limita a vida de quem a tem e redefine tudo o que está à sua volta. Porém, importa também que não esqueçamos que continuam a ser muitos aqueles que encaram a dor crónica apenas como um sintoma e não como uma condição em si mesma. A verdade é que durante anos, aprendemos e sempre se ensinou que a dor era simplesmente um sinal de que algo não estava bem, um sinal de alerta que o nosso corpo enviava ao nosso cérebro, uma espécie de alarme que disparava para que reagíssemos. O que acontece é que a realidade sobre o que é a dor é bem mais complexa do que pensávamos. De facto, o que acontece é que a dor é multidimensional. É uma condição que afeta tudo, todas as dimensões da nossa vida. Mexe com o sono, com a concentração, com o humor, com a disposição para estar e conviver com os outros. Com o simples facto de respirar, viver e existir. É como um ruído de fundo que nunca desaparece completamente. Ainda que possa ser atenuada em resultado de tratamentos efetuados ou mercê a ingestão de fármacos, o certo é que a dor continua lá, vigilante, à espera de se fazer notar novamente à primeira oportunidade.
Assim, enquanto alguém que sofreu e sofre de dor crónica sei que a dor ocupa muito espaço, não apenas no nosso corpo, mas também na nossa mente. Passa a fazer parte da nossa linguagem e do nosso dia-a-dia. Passa a fazer parte de nós. Lembro-me perfeitamente de dizer à minha médica a expressão “eu e ela”, uma vez que, a determinado ponto da minha vida, já são sabia o que era existir sozinha, sem a dor estar presente. Apesar disso, é também um facto que essa dor sentida e os meus anos de prática clínica também me trouxeram muito conhecimento e é por isso que hoje posso afirmar, sem qualquer sombra de dúvida que não podemos tratar a dor crónica como se esta fosse apenas um problema muscular ou articular, até porque o nosso corpo e a nossa mente estão interligados, pelo que o nosso bem-estar físico e mental tem bastante peso naquilo que é a nossa sensação e/ou perceção da dor. Esta realidade faz com que a dor crónica não siga quaisquer regras fixas. Cada pessoa vive e sente a sua própria experiência, o que significa que as soluções para o tratamento da dor não podem ser generalizadas. Há quem beneficie mais do exercício, há quem beneficie da meditação e/ou relaxamento, há quem consiga melhorias com a alteração da alimentação, enquanto outros encontram alívio através de mudanças na postura, na respiração ou até mesmo pela transformação ocorrida na forma como pensam e interpretam a própria dor. Este é um trabalho de descoberta, feito diariamente, a par e passo por quem vive esta realidade.
No entanto, uma verdade mantém-se sempre inalterada: a dor crónica não define ninguém. É certo que pode fazer parte da vida de muitos de nós, contudo, essa não deve ser nunca a narrativa principal. Não nos devemos deixar vencer pela dor e deixar que ele tome de assalto o nosso eu. Assim, cabe-nos sobretudo a nós, enquanto profissionais de saúde, ajudar os nossos pacientes a reescreverem as suas histórias, adaptando-as à sua realidade e perceção, com a certeza de que existe e existirá sempre algo que pode ser feito, alguma melhoria que pode ser conseguida. O facto é que podemos e devemos dar sempre o nosso melhor e colocar ao dispor dos nossos pacientes todo o nosso conhecimento, competências e experiência, numa tentativa de os servirmos da melhor forma, potenciando a sua regeneração.